Hoje resolvi descer a serra.
Cedo, o sol já brilhava, céu limpo, um azul indescritível.
Fui à ferroviária do lugarejo retirar uma encomenda que chegaria no trem das 8:00 horas, aliás, uma encomenda pela qual estava ansioso.
O trem ainda não tinha chegado, estava atrasado. Fiquei por ali aguardando.
Logo ela chegou: cabelos soltos, calça jeans e camiseta. Era uma menina que desceu de outro trem, trazendo uma criança no colo. Tinha traços bonitos; os olhos, apesar de lindos, emanavam uma tristeza sem fim. E pode uma criança tão pequena já expressar tal sentimento?
Talvez um corpo novo, mas um espírito antigo.
Logo encostou um senhor em uma moto. Ela e a filha subiram, e, na baixada arborizada da rua, desapareceram ao longe.
Escuto, baixinho, alguém falando em um desses carros de som:
“NOTA DE FALECIMENTO:
Morreu Buceta Bela num dia de aguaceiro.
Morreu sem saber que todas as palavras são belas,
até mesmo as impronunciáveis.
Mãe de oito filhos, sentava-se ao pé da porta, ao pé da letra e,
ao luar, dignava-se a contar estrelas;
cada qual para uma inspiração infeliz de pai.”
Era o Seu Bispo. Sempre que alguém morre no lugarejo, além de fazer todo o serviço funerário, ele escreve algo sobre o falecido e anuncia o velório e a hora do sepultamento.
Passou devagar pela ferroviária, e as pessoas, à medida que o carro seguia, ficavam paralisadas, ouvindo com atenção.
É um costume típico de cidades bem pequenas, onde todos se conhecem, anunciar assim.
Sentou-se ao meu lado um senhor estranho. Não soube identificar se estava embriagado ou se apenas não era muito certo da cabeça.
Ajeitou-se, ajeitou-se mais, e conversava com o vento, dizendo que, na hora de fazer a criança, ninguém o chamou, mas agora, na hora de criá-la, o chamavam. Isso foi o que consegui entender, porque, no meio de tudo, dizia mais um monte de coisas indecifráveis.
E essa criança que nasceu? Mais um corpo novo que surge? E esses novos olhos? Vão emanar tristezas ou alegrias?
E a Buceta Bela? Enterraram ou beberam?
Meus pêsames.
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