#NOMEUCONSULTORIO 44 – SALUM, CONHECI ALGUÉM E ACHO QUE ESTOU APAIXONADO, DIZ ELE SAINDO DA SALA. EU NÃO ME LEMBRO DE MICHEL TER FICADO SOLTEIRO POR MAIS QUE UM MÊS

 

 

E há quem diga que eu não seja psicólogo. Vocês acreditam?
Pois é, nem eu.

Ah, eu, com meus 39 anos… Assim entra Michel, exclamando em um tom de nostalgia: magro, alto, pele clara, cabelos negros com alguns fios prata, olhos negros, pequenos, tem um largo sorriso que não está em seu rosto hoje. Tem algo de errado.

Hoje me perguntaram o porquê de eu estar solteiro. Seria opção?
Opção de que?
Solidão é opção? Querer sair e não ter com quem é opção? Ir ao cinema sozinho é opção? Se você acha que sim, Salum, com todo respeito, vai à merda, porque isso não é vida. — Diz ele. Pior que eu concordo com ele.

Assim começamos, aos nervos.

Michel sempre foi namorador, mesmo quando hétero — sim, ele já foi hétero. Até um tempo atrás ainda ficava com mulheres, mas jura que elas sempre souberam que ele é gay e aí cita Carol, Carla, Mayara, Patricia e Bia, entre outras. Algumas eu até conheço e sei que é fato.

Eu não me lembro de Michel ter ficado solteiro por mais que um mês. Sempre disse que prefere estar namorando, porque quando está solteiro, “não é flor que se cheire” — ou, como diria uma grande amiga: “Ele passa o rodo, e se não tiver água para puxar, ele joga”.

Acredito que Michel, por ser uma pessoa muito intensa, sem medos, sem orgulho — quando digo orgulho, me refiro a correr atrás de quem ou do que se quer —, enfim, ele vive. É intenso até demais, às vezes sufoca e é sufocado. Mas, desta forma meio maluca, sempre seguiu seus instintos, suas vontades, seus desejos e amores. E quantos amores! Calmos, conturbados… A maioria de seus relacionamentos foi com meninos mais novos. Ele jura que os meninos que tomaram a iniciativa, e que os que ele tomou, eram mais velhos. Enfim, isso sempre foi um motivo para amigos e a família questionarem se daria certo pela diferença de idade.

Mas Michel chuta o pau da barraca e vive intensamente. E quando fala nesses relacionamentos, seu rosto enche com aquele largo sorriso. Engraçado que ele quase não fala nos que tinham a mesma idade ou parecida com a dele. Gosto é gosto.

Michel se entrega aos amores como se fossem o último. É intenso e pleno. Mas, em uma dessas artimanhas da vida, caiu no conto da bicha truqueira.

Quando conheceu essa pessoa, ele, pela primeira vez talvez, acreditou que agora era pra sempre. Que enfim chegou o “felizes para sempre”. Que agora o próximo passo era o “sim” no altar — um casamento no campo ao meio-dia, tudo acertado. Mas a vida — leia-se a pessoa ou a bicha truqueira — deu-lhe uma rasteira que nem ele imaginava que iria levar. Acredito que, nos primeiros dias da grande desilusão, ele ficou meio anestesiado, sem entender direito o que o tinha atropelado. E foi grande o estrago. Ao acompanhá-lo nas nossas conversas, percebi que ele, com o passar dos dias, foi se afundando mais naquilo que havia sobrado e não conseguia reagir. E sabem por quê?

Porque ele acreditava que a culpa era dele. Mas culpa do quê?

Levou um tempo até ele reagir e começar a abrir os olhos, a juntar o que sobrou e entender tudo. Ainda hoje há muitos “porquês”, mas que nunca serão respondidos, e vai ter que aprender a conviver com eles. Logo ele, que nunca admitiu um “porque” sem resposta.

É a vida ensinando.

Michel hoje? Eu diria que tem medo do ser humano. Ele não passa isso às pessoas que convivem com ele, aos amigos, mas lá no fundo criou uma casca grossa e densa que, talvez inconscientemente, acaba afastando pessoas que tentam se aproximar — e só percebe isso depois que a coisa acontece. Mas sempre tem uma desculpa: diz que a pessoa não era interessante, que a pessoa não deu bola para ele… Enfim, blindou-se contra o sentimento chamado amor, gostar, querer estar.

Até andou tentando, mas a pessoa em questão morava fora do Brasil. Confortável, né? Esses são os exemplos que ele usa para dizer que está sim aberto a novos relacionamentos.

Michel ainda está em luto, acredito eu, e nem ele mesmo sabe. Mas o engraçado é que ele demonstra, em algumas atitudes, que quer se abrir e conhecer alguém. Ainda ficou com mil “porquês”.

Na verdade, não sei se consigo um diagnóstico plausível.

Lá se vão seis meses, e, pela primeira vez, solteiro e sozinho. E quando toco nesse assunto, ele diz que está bem e está focado em outras coisas — desconversa. Acho que, apesar de intenso, corajoso e diria até meio louco — daqueles que se atira mesmo —, acho que agora foi aberto um espaço para o medo.

Não sei se Michel vai se relacionar com alguém tão cedo. Sei que ele não nasceu para estar só.

Não sei se essa barreira é consciente ou não, se é uma autodefesa. Talvez seu próprio coração não esteja mais tão disposto a se arriscar. Talvez o “não ter orgulho” não valha tanto a pena. Talvez o “ter alguém” seja agora uma coisa distante ou impossível. Não sei.

Até resgatar um antigo amor ele tentou. Acho que não teve muito êxito, e quando o questionei por que ele não seguiu, só balançou a cabeça de forma negativa.

Sei que esse foi um grande amor, que hoje ele diz que perdeu por sua culpa. Mas me entristece ver que nem coragem para isso ele tem mais. Se fosse o antigo Michel, ele já teria se declarado pro cara e dito: “E aí? A gente tem outra chance?” E se a resposta fosse não, ele seguiria em frente para o próximo da fila. E se fosse sim, diria: “Na minha ou na sua casa?”

Enfim, os fortes amam, são destemidos, corajosos, audaciosos, enfrentam o que tiverem pela frente. Mas quando são massacrados, não sei se conseguem juntar o que sobra.

Como Michel, muitos de nós criamos um muro de proteção para aquilo que já nos machucou. Não direi que é bobagem ou que tenhamos que derrubar — tudo ao seu tempo, tudo à sua hora. Tombos são bons? Amadurecem? Ensinam? Sim, mas são doloridos, e alguns levam dias e dias, meses e meses, anos e anos para cicatrizarem.

Assim como Michel, tenha o seu tempo. Uma hora, quando você menos imaginar, há de aparecer alguém que, com um jeito todo especial, não faça nem você derrubar esse muro, mas abrir as portas do seu coração de novo para o amor.

— Salum, conheci alguém e acho que estou apaixonado — diz ele, saindo da sala.

Viu? E dizem ainda por aí que eu não sou psicólogo!

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