E ele entrou na sala com uma cara meio sem graça. Dei bom dia; ele respondeu com um sorriso malicioso no rosto.
Eu de volta: “Né, Salum?”
Não se sentou na poltrona da esquerda, como da outra vez, mas pegou uma almofada grande, ajeitou no chão e se jogou ali, meio deitado, esparramado, à vontade.
Continuei calado, apenas observando.
Ele me olhou e disse: “Todo réptil é assim? Camuflado?”
Eu disse: “Depende. De que tipo de réptil você está falando? Alguns são, outros não.”
“Estou falando de uma pessoa”, ele disse.
“Humm… bom, algumas pessoas podem, sim, se camuflar.”
“Então, penso que esse ato de se camuflar pode ser um dom, talvez do bem, talvez do mal, mas não deixa de ser um dom.”
“Você acha isso?”, perguntei.
“Sim, acho!”
O silêncio tomou conta de novo do ambiente.
Passaram-se dez minutos, e só ouvia o vento fresco que entrava pela janela e as folhas que balançavam.
“Posso estar camuflado agora, e você nem está notando. Já pensou nisso?”, indagou.
“Sim.”
“Só ‘sim’ você me diz?”
“Respondi o que me perguntou.”
“E se eu não for quem você pensa que sou?”
“Eu não tenho que achar ou não achar quem você é. Só você pode e deve saber quem é”, lhe respondi.
Esboçou novamente um sorriso malicioso, olhou-me nos olhos, levantou e veio até perto de mim.
Chegou bem perto, quase encostando seu nariz no meu.
Ficou quieto, imóvel. Eu não tive reação alguma, apenas o observava.
“Quantas portas abrimos para quem não sabemos quem são?”
“Muitas.”
“O mundo digital deu a chave do nosso eu para quase todo mundo, e, por mais precaução que tenhamos, muitos se camuflam de tal maneira que passam totalmente despercebidos. Que cuidados tomar, se é que devemos tomar? Isolar-nos em uma bolha? Pedir a #FAC de cada um? Fazer levantamento familiar e de amigos? Tudo isso pode ser forjado, vai por mim.
Um psicopata pode te apresentar quem lhe convém, e, na verdade, tudo aquilo que você conheceu não é a verdade; aquilo não passa de um cenário com personagens escolhidos por ele, que nem mesmo sabem qual é o papel principal dele.
Pessoas são enganadas e traídas diariamente por pessoas más; sim, existem pessoas ruins que têm prazer em ser assim. O que fazer?
Torcer para não cair em uma dessas redes. Mas ainda julgo que a melhor precaução é a sua intuição; sim, todos temos, basta aprender a ouvir, e ela nunca nos engana. Fique atento: quando aquela voz te disser que ‘aí tem coisa’, abra bem os olhos. É uma forma, afinal não vamos deixar de viver e conviver com as pessoas, mesmo as estranhas; afinal, para se tornarem íntimas ou conhecidas, um dia elas foram estranhas. E, nesse imenso vai e vem das pessoas, temos anjos e demônios.”
Quanto ao meu paciente, me olhou bem nos olhos e disse:
“E você: tem certeza de quem sou eu?”
Virou-se e saiu.
Viu? E dizem ainda por aí que eu não sou psicólogo!
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